terça-feira, 24 de novembro de 2009

Outra contribuição par esta discussão.




Médico de Canencia de la Sierra, Garganta de los Montes e El Cuadrón(Madrid). Professor Honorário de Saúde Pública na Faculdade de Medicina da Universidad Autónoma de Madrid e Professor Visitante de Atención Primaria en Salud Internacional da Escuela Nacional de Sanidad (Madrid).Buitrago de Lozoya (Madrid), 20 de Agosto de 2009.


Resumo:A gripe A é muito contagiosa e pouco grave. Menos grave do que a gripehabitual de todos os anos (gripe sazonal).Face à gripe A é conveniente manter um comportamento prudente etranquilo, similar ao que temos com a gripe sazonal. Deve-se consultaro médico apenas em caso de enfermidade importante (tosse com sangue,grande deterioração respiratória).Os antivirais Tamiflu e o Relenza não previnem a gripe A, têm efeitossecundários importantes. Devem reservar-se para tratar casos graves.A vacina contra a gripe A é experimental, e por agora não se sabe nadasobre a sua segurança ou sobre a sua eficácia.As pandemias prévias não produziram grande mortalidade desde que sepassou a dispor de antibióticos para tratar as pneumonias quecomplicam a gripe. Essas pandemias também não tiveram um segundo surtode maior agressividade.Para além da gripe A, os serviços de saúde têm que atender os milhares de doentes agudos e crónicos habituais, pelo que convém não saturar a actividade de médicos, enfermeiras e restante pessoal com pacientes ligeiros com gripe A. O problema a gripe é uma doença viral de que se padece durante o Inverno, sob a forma de epidemia (epidemia sazonal), que afecta grande parte da população. Como diz (e bem) o refrão popular, "a gripe dura sete dias com tratamento, e uma semana sem ele". A gripe é uma enfermidade leve, com febre e sintomas variados tais como dor de cabeça e muscular,náuseas, diarreia e mal-estar geral, que obriga a estar um par de diasem repouso. Não convém baixar a febre a todo o custo (nem sequer nascrianças), e o tratamento é o da dor e do mal-estar.Pese embora a pouca gravidade da gripe, pode demonstrar-se que a mortalidade aumenta na população em dois picos anuais, um nos dias de Verão com o máximo de calor, e outro nos dias de Inverno com aepidemia de gripe. Por isso se aconselha a vacina contra a gripe,apesar de se discutir a utilidade desta vacinação.A epidemia de gripe A, que começou no México em 2009, é de menor gravidade que a epidemia habitual. É uma gripe que contagia muitofacilmente, e por isso é uma "pandemia", porque pode chegar a afectarmetade da população. Mas a contagiosidade da gripe A não diz nada sobre a sua gravidade, sendo de facto menos grave do que qualquer das gripes anteriores. Afecta muita gente, mas mata menos do que a gripes azonal de todos os anos. Os números são variáveis consoante a fonte dos dados, mas por exemplo, no Reino Unido houve centenas de milharesde casos e só umas 30 mortes e nos Estados Unidos da América, com ummilhão de casos só 302 mortos. No Inverno austral (que coincide com oVerão em Espanha - e em Portugal), na Argentina morreram 350 pessoas,na Austrália 128, no Chile 105 e na Nova Zelândia, 15. Com o Inverno austral quase no fim, no mundo inteiro houve, até agora, 2396 mortes.Para situar o problema, calcula-se que em Espanha morram durante um Inverno "normal", por gripe sazonal, de 1500 a 3000 pessoas.Tivemos muitas pandemias, e a mais letal, a "espanhola" de 1918 matou,sobretudo por pneumonias bacterianas, os pobres (mal alimentados,amontoados, com habitações insalubres e mal protegidos do frio). Nas outras duas grandes pandemias, de 1957 e 1968 não houve talletalidade, entre outras coisas pela existência dos antibióticos paratratar as pneumonias bacterianas.Ao estudar as pandemias dos últimos séculos (de 1510 à actualidade)demonstra-se que nunca foi contagiada simultaneamente toda a população e que sempre que houve um segundo surto da pandemia a gripe manteve um carácter ligeiro também na segunda volta.O que se pode fazer face à gripe A?Quando em 2005 a Organização Mundial de Saúde (OMS) prognosticou quepoderiam morrer de gripe aviária até sete milhões de pessoas,desatou-se o pânico no mundo. Depois houve apenas 262 mortes.Assistiu-se assim, a um gravíssimo erro de prognóstico. Em 2009, com agripe A, convém não repetir o mesmo erro. Por isso é central evitar o pânico. É absurdo ter pânico face à epidemia de gripe A, por mais que venha a afectar (levemente) um grande número de pessoas.Face à gripe A convém fazer o que sempre se faz face à gripe:cuidar-se com prudência e tranquilidade. Boa hidratação, boa alimentação, boa higiene, e recorrer ao médico quando haja sintomas de importância, tipo tosse com expulsão de sangue e grande deterioraçãoda respiração. Convém não tossir para cima de ninguém, não mexer nonariz, tapar a boca ao tossir ou espirrar e lavar as mãos antes decomer, depois de ir à casa de banho e quando estão sujas demucosidades.O vírus elimina-se pela mucosidade nasal aproximadamente durante os primeiros cinco dias da enfermidade. O uso de máscaras não parece que ajude a evitar a propagação da epidemia. Convém não fazer muita vidasocial nesses primeiros dias, como é costume em caso de gripe. No que respeita à gravidez, não há nada a dizer, pois estes cuidados são parase ter sempre, não havendo deste modo nada mais a fazer.Não há nenhum tratamento preventivo: os medicamentos contra a gripenão previnem a enfermidade (nem o oseltamivir - Tamiflu, nem ozanamivir - Relenza). Uma vez diagnosticada a doença, estes medicamentos são também quase inúteis (tiram meio dia à evolução da enfermidade). Também não existem estudos que avalizem a suaefectividade na gripe A. Para além disso, têm efeitos adversos. Por exemplo, durante a epidemia de gripe A, em crianças tratadas em Londres com os eltamivir - Tamiflu, metade tiveram efeitos adversos,geralmente vómitos, e em 18 % registaram-se alteraçõesneuropsiquiátricas. Talvez em alguns casos valha a pena o seu uso comotratamento, por exemplo em doentes graves e em pacientes com do ençascrónicas importantes, mas não são úteis nem em crianças nem em adultossaudáveis.A vacina contra a gripe é de pouca utilidade em crianças eadolescentes, com uma efectividade de 33 %, e absolutamente inútil nosmenores de dois anos. Há dúvidas sobre a sua eficácia em adultos eidosos. Sobre a vacina contra a gripe A não sabemos nada, mas em 1976 produziu-se nos Estados Unidos uma vacina parecida, também com toda apressa pelo perigo de pandemia, e o resultado foi uma epidemia de efeitos adversos graves (sindroma de Guillain-Barré, uma doençaneurológica) que obrigou a parar a vacinação. A pressa não é boa para nada, e ainda menos para parar uma gripe como a A, que tem tão baixa mortalidade. Convém não repetir o erro de 1976. Em todo o caso, é exigível a assinatura de um formulário de "consentimento informado"que deixe claro os benefícios e riscos, e o procedimento a seguir faceaos possíveis danos por efeitos adversos. Dada a pressa que há emproduzir a vacina, e para evitar as consequências legais relacionadascom os problemas de segurança, em caso de danos serão os Estados, enão a indústria farmacêutica, a responder às reclamações.Mais alguma coisa? Os testes diagnósticos rápidos da gripe A têm pouca sensibilidade (de10 a 60 %). Quer dizer, não vale a pena fazer a determinação para saber se se tem na realidade a gripe A. Tanto faz, pois os conselhos adar são os mesmos, e o teste não acrescenta a segurança de não se tera gripe A.Tanto o vírus da gripe A como o da gripe sazonal podem mutar,inutilizando as vacinas.A vacinação contra a gripe sazonal não dá protecção contra a gripe A. Convém não esquecer que uma criança (ou um adulto) pode ter outras enfermidades, além da gripe A. No Reino Unido houve casos de crianças que morreram por meningite por causa de falso diagnóstico de gripe A.Durante a pandemia de gripe A continuará a haver enfartes domiocárdio, apendicites, insuficiência cardíaca, diabetes, asma,tentativas de suicídio, fracturas da anca, depressão, esquizofrenia eas outras mil enfermidades que requerem atenção médica. O comportamento sereno, paciente e tranquilo dos pacientes com gripe A é essencial para que os serviços de saúde funcionem bem e para que osmédicos e restante pessoal de saúde se possam dedicar aos doentes que deles necessitem, com ou sem gripe A. Nota o autor não tem outra intenção senão deixar claro o estado doconhecimento acerca da gripe A no momento em que escreve este texto, e para tal reviu a literatura mundial a seu respeito. Este texto é puramente informativo. O autor lamenta que muitos dos organismospúblicos, as sociedades científicas e os meios de comunicação transmitam outra mensagem; terão as suas razões.


Publicado no jornal espanhol "El País"